segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dias (finais)


Quando a febre da noite
Começa a cessar
E a saudade toma o alaúde
Para uma última canção,
Quando a cidade,
Feito Fogo ralo, se apagar
E o que é breve
Tornar-se imensidão,
Verei a execução
Dos meus dias
Em horas,
Em forcas,
Receberei o que
Me é de reserva
Sem honras,
Sem forças.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Dias(infernais)


Rasgam-se
As nuvens dos meus olhos
E delas desaba chuva.
A água percorre meu corpo:
Que se faz terra firme e fria.

Das nuvens também
Escorre vinho tinto.
Meus olhos agora rubros
Estão, agora, cegos.

Do interior das densas nuvens
Caem vidas inteiras
Que voavam em asas de cera.
Caem anjos,
E a legião em terra firme
Faz-se um exército de demônios.
Estão enfim decretados
Os dias infernais.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Dias (iguais)


Esse outubro em águas
Janela para um certo dezembro:
Tempo vespertino em cor,
Inquilino (maldito)
Da memória.
Aqueles mesmos ventos
Ainda gritam, esmurram
A porta do quarto.
Aquela retina de sol,
Não mais,
Ilumina meus dias,
Os mesmos dias
Encharcados de chuva.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Resto


Valho menos que
O vinho que percorre
Toda a taça para vir me habitar a boca.
Boca feita de pele crua,
Tão repleta de dentes,
Tão pouco poética,
Quanto o resto de mim,
Quanto o resto que sou agora.

Valho bem menos que
As rimas fáceis, solitárias
Que saem das minhas mãos
Ridiculamente minúsculas e fracas.

Valho bem menos que os pesadelos
Que me despertam na madrugada.
E menos ainda que as lágrimas,
Que ardem em meio à insônia
Dessa madrugada despertada.
Lágrimas rasas,
Submetidas ao cárcere dos meus olhos.

Valho menos que
Esse vento que me corta a cara
Em meio ao instante intermediário:
Nem tarde, nem noite.

Valho mais que
O amontoado de sonhos mortos
Que pesam no dorso da minha alma.
Valho mais. Valho mais,
Pois tenho a coragem e a dor
De quem asfixia os próprios sonhos,
A coragem e a dor
De quem sabota a própria tranqüilidade.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Cacos de louça


Dias de insônia e febre
Um piano que eu
Nunca soube tocar
Um bolo que eu nunca
Soube fazer
E nem você

Cacos de louça
Azul-pombinho
Pra procurar
E mais tarde
Uma vida inteira
Pra me fazer dormir

Me pediu pra sorrir
Mas eu nunca
Consegui
Me pediu para
Não chorar
Mas agora
Eu não posso evitar

Daria o meu sono,
Daria todo azul,
Aprenderia piano
Se você pudesse se lembrar